terça-feira, 7 de abril de 2009

Doença impossível

Ajudante sustenta, em ação, que pegou fimose no trabalho

por Daniel Roncaglia

Os trabalhadores podem desenvolver diversas doenças ocupacionais. No entanto, ninguém em sã consciência incluiria nessa lista a fimose. Entre os que acham a hipótese absurda está o juiz Platon Teixeira de Azevedo Neto, da 8ª Vara do Trabalho de Goiânia. Ele rejeitou a ação de um trabalhador que pediu indenização por ter sido “acometido de fimose, doença que se agravou pelo peso que o funcionário carregava diariamente no trabalho”.

O juiz lembrou que “é evidente que fimose não tem qualquer relação com o trabalho, jamais podendo ser caracterizada como doença ocupacional”. E explicou porque é impossível caracterizá-la como doença ocupacional: “Sabe-se que fimose é a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de expor a glande do pênis em razão de o prepúcio ter um anel muito estreito. Como ninguém deve deixar o pênis exposto no trabalho, não pode haver relação entre o citado membro e o labor desempenhado na empresa. Aliás, chega às raias do absurdo a alegação do reclamante”.

Azevedo Neto também ironizou: é preciso muita coragem para ajuizar uma ação desse tipo. “Impossível alegar que o problema no membro atingido pudesse provocar perda ou redução da capacidade para o trabalho, já que o ‘dito cujo’ não deve ser usado no ambiente de trabalho”, explica.

Além de ignorar medicina, o advogado do ajudante desliza no português. Ele afirma que o trabalhador ficou como “broblemas (sic) nas articulações dos joelhos e, não sendo recomendável o retorno ao emprego, que lhe seja garantida uma indenização”. Diz também que não foram demonstradas diferenças salariais por “reposisão (sic) salarial”, ou seja, “por exercer funsão (sic) superior a espesifica (sic) no contrato”.

O juiz confessa que quis multar o trabalhador por litigância de má-fé, mas desistiu. “Embora beire às raias do absurdo a alegação autoral, entendo que condenar o reclamante em litigância de má-fé somente aumentaria ainda mais o seu desespero. Apenas uma pessoa com muita necessidade poderia recorrer à Justiça alegando que a fimose foi agravada no trabalho.” Apesar disso, ele teve que pagar R$ 106,98, que foi calculado sobre o valor da causa de R$ 5.349.

Flatulência liberada

Não é a primeira vez que a Justiça do Trabalho se depara com discussões como esta. No ano passado, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) entendeu que, mesmo não seguindo as regras do bom costume, a flatulência é um ato que independe da vontade da pessoa e, por isso, não pode ter reflexos sobre o contrato de trabalho.

“A eliminação involuntária, conquanto possa gerar constrangimentos e, até mesmo, piadas e brincadeiras, não há de ter reflexo para a vida contratual. Desse modo, não se tem como presumir má-fé por parte da empregada, quanto ao ocorrido, restando insubsistente, por injusta e abusiva, a advertência pespegada, e bem assim, a justa causa que lhe sobreveio”, argumentou o juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros (relator).

E completou: “o organismo tem que expelir os flatos, e é de experiência comum a todos que, nem sempre pode haver controle da pessoa sobre tais emanações”.

Trigueiros explicou que “a flatulência constitui uma reação orgânica natural à ingestão de ar e de determinados alimentos com alto teor de fermentação, os quais, combinados com elementos diversos, presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo e necessitam ser expelidos, via oral ou anal, respectivamente sob a forma de eructação (arroto) e flatos (ventosidade, pum)”.

Apesar de sua tolerante posição, o juiz faz uma ressalta. Em algumas hipóteses, flatos barulhentos e intencionais podem ensejar em uma justa causa. “Sua propulsão só pode ser debitada aos responsáveis quando comprovadamente provocada, ultrapassando assim o limite do razoável. A imposição deliberada aos circunstantes, dos ardores da flora intestinal, pode configurar, no limite, incontinência de conduta, passível de punição pelo empregador”, ensina o juiz.

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